Dilma acerta em priorizar o combate à pobreza, mas...
Sem equidade, a médio e longo prazo a produtividade sistêmica/social tende a piorar rapidamente. Exemplo: investe-se 5% do PIB em educação e mais do que o dobro disto na vã tentativa de combate à violência, que tem sua raiz na violência maior que é a desigualdade social. A busca da melhora dos padrões morais deve começar pelo combate à desigualdade social. É inaceitável termos 40 milhões de trabalhadores e aposentados ganhando, não um, mas até um salário mínimo por mês enquanto algumas centenas de executivos financeiros têm renda mensal que chega a superar mil salários mínimos. O artigo é de José Pascoal Vaz.
José Pascoal Vaz (*)
Em seu primeiro discurso após a posse, a Presidenta Dilma afirmou que “a luta mais obstinada do meu governo será a erradicação da pobreza extrema e a criação de oportunidades para todos”. Priorização absolutamente correta, seja no que se refere ao funcionamento da economia, seja do ponto de vista ético que, diga-se, deve balizar o econômico. No cerne, a questão da desigualdade social. Quanto à economia, sabe-se hoje ser uma falácia a exigência de se escolher entre (o esnobe economês trade off) eficiência e equidade, esta entendida como a busca da efetiva, real, igualdade de oportunidades. Sem equidade, a médio e longo prazo a produtividade sistêmica/social tende a piorar rapidamente. Exemplo: investe-se 5% do PIB em educação e mais do que o dobro disto na vã tentativa de combate à violência, que tem sua raiz na violência maior que é a desigualdade social. Aliás, Dilma, reafirmando sua prioridade, acaba de propor ao Secretário Geral da ONU um debate sobre segurança e desenvolvimento social, bem como a instalação no Brasil de uma universidade da ONU sobre o tema.
Do ponto de vista ético, estando os valores sociais de cabeça para baixo, a busca da melhora dos padrões morais deve começar pelo combate à desigualdade social. É inaceitável termos 40 milhões de trabalhadores e aposentados ganhando, não um, mas até um salário mínimo-SM por mês enquanto algumas centenas de executivos financeiros, por exemplo, mas não só, têm renda mensal que chega a superar mil SM (consulte-se a CVM).
Nenhuma política pública, aí incluída a econômica, pode ser concebida pelo novo governo sem que se tenha a certeza de que ela ajudará na redução da desigualdade social. O Brasil já dispõem, na média, frise-se bem, na média, de PIB per capita de 10.000 dólares anuais, superior à média mundial, e IDH=0,699 (1) na faixa considerada pela ONU como de países de alto desenvolvimento humano (acima de 0,670). Temos pródigos recursos naturais (energia solar, eólica, hídrica, fóssil/pré-sal; muita terra fértil; costa imensa; água em abundância; grande biodiversidade etc); parque industrial, tecnologia e capacidade gerencial mais do que suficientes e trabalhadores de bom potencial. Com o estágio alcançado, se tivéssemos desigualdade social minimamente aceitável, não teríamos pobres no Brasil.
Nossa desigualdade é tamanha que, quando o PNUD ajusta o IDH dos países pela desigualdade, o índice brasileiro cai 27,2%, de 0,699 para 0,509, fazendo o Brasil perder 15 posições, desabando do 73º. para 88º. lugar, entre 169 países.
Avançou-se econômica e socialmente no governo Lula. A maior vitória, no entanto, foi a quebra de preconceitos contra as pessoas das escalas sociais mais baixas. O desempenho de Lula as redescobre como portadoras de direitos humanos fundamentais e em condições para exercer atividades dignas e produtivas. A inclusão não só é vista como uma possibilidade, mas é aceita como uma imposição de justiça social e de inteligência econômica. A concretização da inclusão implica em igualdade de oportunidades. Mas não só no sentido de as pessoas não serem proibidas de vislumbrar projetos de vida generosos, mas que tenham as condições para executá-los. Para as pessoas terem liberdade formal, basta não serem proibidas de almejar algo. No entanto, para garantir a liberdade de fato, real, a liberdade substantiva do Nobel Amartya Sen, que permita que o almejado seja concretizado, é preciso que as pessoas tenham os meios.
Os parâmetros de pobreza utilizados no mundo são os mais variados. O IPEA (2) apresenta três faixas de pobreza, que atualizei: quem tem renda mensal de até R$ 70; desta até R$ 140; e desta até R$ 270 (1/2 SM). Louve-se, no Governo Lula (até 2009, último dado), a muito significativa redução de tais contingentes: como % da população total, caiu, respectivamente, de 9 para 5; de 25 para 14 e de 44 para 29. Mas é preciso rever tais parâmetros. Há gente afirmando ridiculamente que, nesse ritmo, em seis anos erradicaremos a pobreza: ou seja, quem, em 2017, ganhar o equivalente a R$ 70,01 (R$ 2,34/dia) não estará mais na extrema pobreza; quem ganhar o equivalente a R$ 270,01 (R$ 9,01/dia), não será pobre; se também não será rico, será classe média! Se formos mais exigentes com a definição de pobreza, chegaremos a bem mais do que aqueles 29%, percentual que já representa 55 milhões de pessoas.
No meu entender, pobre é quem não tem os meios para exercer liberdade substantiva. Parece ser consensual que tais meios exigem pelo menos o salário mínimo constitucional (Art. 7º.-IV), que o DIEESE calculou, para dezembro/2010, em R$ 2.228 para uma família de três adultos. Ou R$ 743 por pessoa por mês. Se Dilma aceitar os R$ 108 que lhe tem sido propostos, levaremos vinte anos, aumentando este parâmetro em 10% ao ano reais, para chegar ao equivalente a R$ 743, linha de pobreza que proponho para reiniciar a discussão em outro patamar.
O hiato de pobreza, o valor necessário para levar todos os pobres à linha de pobreza, está em 4,6% da renda do total das famílias do Brasil. Isto, considerado o parâmetro de R$ 270. Com o parâmetro de R$ 743, o hiato deve certamente se elevar para a casa dos 30%. Com este parâmetro teríamos, ainda, a elevação da proporção de pobres dos 29% para talvez mais de 60%. É muitíssimo mais complicado elaborar um Projeto de Nação tendo os R$ 743 como parâmetro. Mas, se queremos justiça social, mesmo que a longo prazo, a verdade é indispensável, para que se possa planejar de modo a minimizar as falhas de mercado que são tão maiores quanto maior a desigualdade social e, aqui, estamos entre os piores.
Colocado o parâmetro em seu devido lugar, digamos os R$ 743, a alocação de valores para as políticas públicas vai depender de outras decisões políticas, escolhendo o prazo para a erradicação da pobreza frente às exigências das demais prioridades e as possibilidades da economia. O setor privado, ainda que por vezes com atraso, sempre atento às mudanças no perfil da demanda, de que depende seu lucro, também acabará investindo de modo compatível com a redução da pobreza. Um país com demanda interna mais igualitária tende a elevar a produtividade sistêmica/social e a garantir-se contra as crises mundiais persistentemente recorrentes. A principal decisão política da Presidenta Dilma merece muito mais do que os R$ 20 ou R$ 30 bilhões anuais de que ouço falar se adotados os R$ 108. E honra sua luta iniciada na juventude.
(*) José Pascoal Vaz é economista, dr. em história econômica, prof. na Unisantos e pesquisador no Nese/Unisanta. (pascoalvaz@cmg.com.br)
(1) PNUD-Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/Relat. do Desenvolv. Humano 2010.
(2) Comunicado do IPEA no. 68, de out/2010.
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