COMO APRENDER A AMAR BONITO
Talvez seja tão simples, tolo e natural que você nunca tenha
parado para pensar: aprenda a fazer bonito seu amor.
Ou fazer o seu amor ser ou ficar bonito.
Aprenda, apenas, a tão difícil arte de amar bonito.
Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender...
Tenho visto muito amor por aí.
Amores mesmo: bravios, gigantescos, descomunais,
profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva.
Mas esbarram na dificuldade de se tornar bonitos.
Apenas isso: bonitos, belos ou embelezados, tratados
com carinho, cuidado e atenção.
Amores levados com arte e ternura de mãos jardineiras.
Aí, esses amores que são verdadeiros, eternos e descomunais,
de repente se percebem ameaçados e tão somente porque
não sabem ser bonitos: cobram, exigem, rotinizam, descuidam,
reclamam, deixam de compreender, necessitam mais do que
oferecem, precisam mais do que atendem, enchem-se de razões.
Sim, de razões.
Ter razão é o maior perigo no amor.
Quem tem razão sempre se sente no direito (e o tem)
de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação,
sem atinar que o que está sem razão talvez passe por
um momento de sua vida no qual não possa ter razão.
Nem queira!!!
Ter razão é um perigo: em geral, enfeia um amor,
pois é invocado com justiça, mas na hora errada.
Amar bonito é saber a hora de ter razão.
Ponha a mão na consciência.
Você tem certeza de que está fazendo o seu amor bonito?
De que está tirando do gesto, da ação, da reação,
do olhar, da saudade, da alegria do encontro,
da dor do desencontro a maior beleza possível?
Talvez não.
Cheio ou cheia de razões, você separa do
amor apenas aquilo que é exigido por suas
partes necessitadas, quando talvez dele
devesse pouco esperar, para valorizar
melhor tudo de bom que de vez em quando
ele pode trazer.
Quem espera mais do que isso sofre e, sofrendo,
deixa de amar bonito.
Sofrendo, deixa de ser alegre, igual, irmão, criança.
E sem soltar a criança, nenhum amor é bonito.
Não tema o romantismo.
Derrube as cercas da opinião alheia.
Faça coroas de margaridas e enfeite a
cabeça de quem você ama.
Saia cantando e olhe alegre.
Recomenda-se: encabulamentos, ser pego em
flagrante gostando, não se cansar de olhar e olhar,
não atrapalhar a convivência com teorizações, adiar
sempre -- se possível com beijos -- 'aquela
conversa importante que precisamos ter', arquivar, se
possível, as reclamações pela pouca atenção
recebida.
Para quem ama, toda atenção é sempre pouca.
Quem ama feio não sabe que pouca atenção
pode ser toda a atenção possível.
Quem ama bonito não gasta tempo dessa
atenção cobrando a que deixou de ter.
Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós,
pobres escritores que vemos a vida como criança de
nariz encostado na vitrine cheia de brinquedos dos
nossos sonhos); não teorize sobre o amor, ame.
Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.
Não tenha medo exatamente de tudo o que você teme,
como: a sinceridade, abrir o coração, contar a
verdade do tamanho do amor que sente; não dar
certo e depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer jeito).
Jogue por alto todas as jogadas, estratagemas,
golpes, espertezas, atitudes sabiamente eficazes (não
é sábio ser sabido): seja apenas você no auge de
sua emoção e carência, exatamente aquele você que a
vida impede de ser.
Seja você cantando desafinado, mas todas as manhãs.
Falando besteiras, mas criando sempre.
Gaguejando flores.
Sentindo o coração bater como no tempo de Natal infantil.
Revivendo os caminhos que intuiu em criança.
Sem medo de dizer eu quero, eu estou com vontade.
Deixe o seu amor ser a mais verdadeira expressão
de tudo que você é.
Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto.
Não se preocupe mais com ele e suas definições.
Cuide agora da forma.
Cuide da voz.
Cuide da fala.
Cuide do cuidado.
Cuide de você.
Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor
e só assim poder começar a tentar fazer o outro
feliz.
Arthur de Távola
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