sábado, 4 de dezembro de 2010

TARSO GENRO E A SEGURANÇA NO BRASIL

Tarso Genro: “Já não se trata de entrar, matar e sair”

Em entrevista ao jornal argentino Página/12, o governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, fala sobre a política de segurança pública que vem sendo construída pelo governo federal em parceria com Estados e municípios. Como ministro da Justiça, Tarso foi um dos principais elaboradores dessa política que está ganhando atenção internacional a partir dos recentes acontecimentos do Rio de Janeiro. “É uma concepção de polícia comunitária, que deve ocupar os espaços e articular seu trabalho com programas sociais nas zonas em conflito”.

Martín Granovsky - Página/12

Em entrevista ao jornal argentino Página/12, o governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, fala sobre a política de segurança pública que vem sendo construída pelo governo federal em parceria com Estados e municípios. Como ministro da Justiça, Tarso foi um dos principais elaboradores dessa política que está ganhando atenção internacional a partir dos recentes acontecimentos do Rio de Janeiro. “É uma concepção de policía comunitária, que deve ocupar os espaços e articular seu trabalho com programas sociais nas zonas em conflito”. Na entrevista, Tarso também fala sobre o problema do narcotráfico e do consumo de drogas no Brasil. Reproduzimos a seguir a entrevista realizada por Martín Granovsky:

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Nascido perto da fronteira com a Argentina, aos 63 anos o advogado Tarso Genro assumirá dia 1° de janeiro o governo do Rio Grande do Sul. Duas vezes prefeito da capital gaúcha, Porto Alegre, Genro ganhou o governo do Estado no primeiro turno, com 54% dos votos. Tem um êxito recente: como ministro da Justiça de Luiz Inácio Lula da Silva, criou um plano de segurança que nos últimos dias tornou-se famoso em todo o mundo pela entrada impactante das forças de segurança nas favelas do Rio de Janeiro. De passagem por Buenos Aires, Tarso aceitou dialogar com Página/12.

- Quando assumi o Ministério da Justiça, o presidente Lula me pediu que o governo federal intervisse na segurança pública – conta Genro, que nasceu em São Borja como Getúlio Vargas, o presidente que se suicidou em 1954 e cujo retrato está na Galeria dos Patriotas da Casa Rosada; um presente de Lula. Lula queria que construíssemos um novo paradigma sobre o tema. Mantive uma centena de reuniões com acadêmicos, comandantes da polícia militar e da polícia civil e especialistas internacionais. Assim terminamos desenhando o Pronasci, o Programa Nacional de Segurança Pública Cidadã. Foi a primeira lei programática de segurança pública votada no Brasil.

- Qual era o novo paradigma de segurança?

- Uma concepção de polícia comunitária. Essa polícia deveria ocupar os espaços e articular seu trabalho com programas sociais nas zonas em conflito.

- A polícia comunitária é mais um tipo de polícia?

- Não, é uma concepção. Propusemos que, em cada Estado, se integrassem os gabinetes de segurança pública com uma presença da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária, da Polícia Militar, da Polícia Civil e das autoridades políticas do Estado. Todos deviam articular relações e objetivos comuns.

- Só os Estados?

- Também os municípios. E pela primeira vez. Aí também pensamos programas sociais dirigidos especialmente a jovens e mulheres que são treinados…

- Treinados?

- Não se assuste. Falo de capacitação e não que se convertam em polícias. Eles só têm que buscar outros jovens que estão submetidos à tutela dos traficantes e dos criminosos do bairro. Se não sabemos quem são, eles podem nos ajudar. E queremos que o Estado, as mães e seus amigos possam ajudá-los a se transformarem em seres autônomos. Para a policía pensamos outras coisas. O governo federal ofereceu financiar programas sociais, armas, equipamentos e bolsas de estudo para policiais que desejem melhorar sua formação. A melhoria é premiada com um aumento de cerca de 40% em seus salário. Hoje, cerca de 200 mil policiais de todos os corpos estão com bolsa de estudos.

- Em quantos Estados esse plano está sendo aplicado?

- Em 11 e nas regiões metropolitanas mais importantes. O Rio de Janeiro foi a vanguarda da integração. O conceito de polícia comunitária ganhou o nome de Unidades Policiais de Pacificação. Mas a ideia é a mesma.

- E a chave?

- É um projeto de ocupação territorial. O sistema anterior era entrar, matar e sair. O novo sistema consiste em que o Estado entre, permaneça e se vincule profundamente com a comunidade mediante programas sociais, investimentos em infraestrutura, educação, urbanização. Ou seja: ocupação de território, ações policiais de alto nível, permanência da polícia e aprofundamento dos programas sociais para jovens. No Rio, foi muito importante a atuação do secretario de Segurança, Antonio Beltrame, nomeado pelo gobernador Sérgio Cabral. Beltrame está convencido do acerto do Pronasci e é um entusiasta do programa.

- A experiência argentina mostra que, na província de Buenos Aires, os comissários que ficavam muitos anos no mesmo lugar terminavam sendo parte da máfia.

- Sempre é possível que o crime organizado consiga cooptar um chefe de polícia ou pessoas da comunidade. Oferece segurança, ou seja, “proteção”, em troca de dinheiro e obediência. Em troca, o Pronasci se baseia na relação entre as mães organizadas e formadas, que recebem bolsas para se capacitar, e os jovens que recebem bolsas também.

- Não devem espionar para a policía?

- Não. Nós as chamamos de Mulheres da Paz. Elas não têm funções policiais nem de vigilância. Só identificam jovens em situação de risco para incluí-los nos programas sociais, educacionais e de formação profissional. Assim se formam redes sociais e os agentes do Estado podem escutar as demandas da população. Quem passa a mandar no território não é mais o narcotráfico. Só quem pode oferecer segurança verdadeira é o Estado.

- Os últimos movimentos no Rio foram muito espetaculares. Também foram importantes?

- Muito importantes. Sempre pensamos que a zona chave era essa que foi ocupada no domingo, o Complexo do Alemão, que abrange 16 favelas e tem uma ligação estratégica com o norte da cidade.

- Mas o mercado da droga é o sul, onde vive a classe média junto às praias.

- Sim, é o principal. O narcotráfico gera uma estrutura de integração perversa entre pobres, ricos e traficantes, Eu não falo só dos viciados, mas também daqueles que usam a droga como parte de sua sociabilidade. Os ricos e integrantes da classe média devem compreender que o consumo, ainda que seja por prazer ou por modo de vida, é o que alimenta a violência. Por isso, esse ciclo de combate ao tráfico e à instrumentalização da juventude das favelas tem que passar também por esses setores. Eu falo do Brasil, um país muito grande e com elementos específicos. No Brasil é necessária a repressão penal aos que compram inclusive pequenas quantidades, pois também são responsáveis pela construção do sistema de poder dos grupos mafiosos. O adulto que compra uma pequena quantidade de droga de um menino de 17 anos é um criminoso, porque está na ponta de uma cadeia de circulação e produção de delitos que gerou esta situação no Rio.

- Durante as operações espetaculares nas favelas a cobertura jornalística não tocou no tema da lavagem de dinheiro.

- Temos bons mecanismos, inclusive com êxito em extradições e localização de somas depositadas no exterior, muitas vezes ligadas à evasão e à corrupção. Isso debe ser combatido. Há pouco tempo, o Rio travou um combate exemplar contra as milícias, uma organização de proteção mafiosa relacionada com velhos dirigentes políticos regionais. Um bom trabalho da polícia local e da federal desmantelou essa organização. Foi uma grande vitória da segurança pública. São muitos aspectos. Por isso dizia que debemos romper o mais cedo possível a identidade entre os criminosos da favela e os consumidores. Ou seja, quebrar o mercado. Que faz o DEA (organismo anti-droga dos EUA)? Trabalha para que entre a menor quantidade possível de droga no territorio norteamericano. É seu trabalho. O nosso é proteger o nosso territorio. Por exemplo, as favelas povoadas de brasileiros pobres. Não queremos fazer o trabalho pela metade, Não só procuramos achar a cocaína e queimá-la. Vamos destruir as fábricas da pasta e do pó. Algum nível de tráfico sempre existirá. Nosso objetivo é que seja residual. Não é possível que o tráfico seja a única forma de um joven avançar na vida. Não nos iludimos com um paraíso terrestre de bondade e segurança. É um projeto concreto que procurar cortar um mercado e dar alternativas aos jovens, E já está ocorrendo em muitos territórios.

- O índice de homicidios caiu?

- Em Recife a criminalidade caiu 60%. Em um grande e empobrecido bairro operário do Rio Grande do Sul, Guajuviras, que aplica todos os programas do Pronasci, a criminalidade baixou 50%. É o fruto de uma nova relação Estado-sociedade. E é preciso melhorar os salários dos policiais. No Rio Grande do Sul, um policial ganha quatro cerca de 1.000 reais. Se participar do Pronasci, ganhará 1.400 reais. Esses 400 de diferença não são pouco: servem para alugar um apartamento de dimensões razoáveis.

- Isso é a policía. Na Argentina, impressiona ver tanques do Exército envolvidos nestas operações.

- Reitero que só falo do Brasil. Mas as forças do Exército não participaram de ações armadas. Só controlaram pontos de intersecção. O trabalho foi feito pelas polícias. Temos uma “força nacional” graças a um programa do governo federal que tem capacidade de colocar em qualquer ponto do territorio nacional, em 48 horas, uma força de 300 a 500 homens altamente treinados para realizar ações policiais em um marco de respeito absoluto aos direitos humanos. Leve em conta que, no Brasil, os dois corpos mais respeitados são o Exército e a Polícia Federal. Os militares detiveram o poder absoluto em uma ditadura militar que durou 21 anos, entre 1964 e 1985. Mas, paradoxalmente, o Exército não tem uma tradição de violência antipopular nas ruas. Obviamente estiveram envolvidos em casos de tortura ou em crimes dignos da barbárie, mas não realizaram uma caçada como ocorreu em alguns países latinoamericanos.

- Uma parte dos chefes do tráfico segue mandando desde algumas prisões. Qual seria a solução para esse problema?

- Há quatro penitenciárias de segurança máxima para onde estamos mandando os chefes, e estamos construindo uma quinta. O sistema penitenciário estadual é fraco, ofende duramente os direitos humanos e deve ser reformado. A proposta do Pronasci é a construção de penitenciárias de segurança média para até 450 apenados. Assim ficariam fora do controle dos delinquentes.

- Você disse que o Pronasci disponibiliza recursos federais.

- Sim e gostaria de destacar um dado incrível. Tivemos dificuldades para liberar recursos por ausência de projetos. Poucos Estados tomaram nossos recursos.

- A situação pode mudar dia 1° de janeiro, quando assumem os governadores do PT e de seus aliados?

- Sim. Dilma disse na campanha eleitoral que a segurança e a saúde pública serão os elementos prioritários do novo período. No último ano de mina gestão fizemos uma conferencia nacional sobre o tema. Participaram mais de 250 mil pessoas e reforçamos nossos objetivos para conseguir formar nas zonas mais degradadas os chamados “territórios da paz”, que são os lugares onde os projetos mais importantes do Pronasci entram de maneira articulada. A utopia é chegar aos índices chilenos de homicidio, de 12 a 14 para cada 100 mil habitantes. Hoje temos um índice de 45 a 50 para cada 100 mil na Baixada Fluminense, no Rio, e de 27 a 28 no Rio Grande do Sul. Reduzir esses índices para a metade é algo que pode demorar entre cinco e dez anos. Sei que a imprensa quer fatos imediatos e fenoménicos. Mas um programa sério é gradual e tem que modificar a mentalidade das elites,

- Cabral, o governador do Rio, aliado ao PT, ganhou no primeiro turno. Quanto o Pronasci incidiu nisso?

- Muitíssimo. Ele falou: “As Unidades Policiais de Pacificação são filhas completas do Pronasci e de nossa relação com o governo federal”. Obviamente eu farei o mesmo quando asumir como governador do Rio Grande do Sul. Será parte de um modelo de participação popular. Queremos que termine sendo tão popular quanto foi o Orçamento Participativo que aplicamos antes em Porto Alegre.

Tradução: Katarina Peixoto

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